domingo, agosto 21, 2005

A crise é epidêmica

(texto reeditado)
Disse o sábio Tom Zé: "Não há absolutamente nenhuma crise no governo. A crise mais importante é o completo fracasso de uma sociedade sem ética. Dela por inteiro." (revista Carta Capital, 17 de agosto). E ponto final.

O grande resistente tropicalista, que não virou ministro nem autor de trilha de novela, é também autor de uma ótima música sobre esta cidade. Em "São, São Paulo" o jardineiro Tom Zé afirma (ainda em 1968):

"São oito milhões de habitantes
Aglomerada solidão
Por mil chaminés e carros
Caseados à prestação"

Hoje são 10 milhões de habitantes, 5 milhões de carros comprados em até 4 anos e meio de parcelas com os maiores juros embutidos do mundo.

A solidão, o medo e a agressividade são generalizados. Cada vez mais a vida dos paulistanos é estacionar suas carruagens dentro de castelos da fantasia e consumir a tranquilidade que não existe do lado de fora.

A corrupção é regra social há 500 anos. A lógica que a alimenta é a mesma que alimenta a cultura do auomóvel: o individualismo, a alienação e o desrespeito aos limites entre público e privado.

Aí entra o apresentador do telejornal, que sorri aliviado e diz que a indústria automobilística exportou como nunca. Depois fala com tom grave e preocupado ao dizer que o petróleo bateu recordes de preço. A culpa é do terrorismo, da Venezuela, do Iraque.

Será que o petróleo é caro porque as reservas são poucas ou será que o mundo gasta demais e de forma errada? O preço do petróleo é de responsabilidade da cultura automobilista, consumista e predatória. A mesma cultura que se traveste de "democracia e liberdade" para abocanhar mais poços de petróleo ao redor do mundo e ampliar a rede de consumidores alienados.

No Brasil a cultura do automóvel continua com bons incentivos governamentais, matéria prima abundante, mão de obra barata e planejamento urbano voltado para saciar seu apetite por espaço. As montadoras vendem muito, pagam alguns impostos e enchem o bolso de um rico acionista londrino que anda de metrô ou de um rico acionista californiano que anda num SUV.

O dinheiro dos impostos que fica por aqui serve para pagar a dívida eterna, alimentar malas, cuecas, bolsos ou sentenças judiciais que garantem o saque ao que é público. Os que desfrutam de bons advogados ou possuem boas influências nas esferas de poder vivem muito bem, não importa o governo.

O cidadão comum é vítima e co-autor de aberrações urbanas e políticas deste país: o guardador de carros, o estacionamento irregular, a propina ao policial rodoviário, os despachantes macomunados com agentes públicos para aliviar multas, as empreiteiras que constroem túneis superfaturados a pedido de governantes, os donos de postos que alteram o combustível, o desrespeito ambiental, o valet park e a exclusão de grande parcela da população que vive em áreas sem transporte público decente. A crise é epidêmica.

Vale a pena dar uma olhada também na letra de "A volta do trem das 11", também de Tom Zé, sobre o sucateamento das ferrovias brasileiras. Os comentários também trazem dicas interessantes.

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Comments:
São São Paulo, meu amor,
São São Paulo, quanta dor
(TOm Zé)

Hi there!
 
Ele falou tudo que eu pensava, só não tive capacidade de sintetizar como ele o fez; ou melhor, não consegui nem verbalizar. Esta frase é digna de ser estampada em uma camisa, para mostrar à sociedade que TODOS NÓS SOMOS RESPONSÁVEIS por tudo que acontece aqui e lá. E com isso deixarmos de tirar a responsabilidade de nós mesmos e tb deixarmos de achar que são os outros que não têm ética.
 
Salve mano!

quero indicar o blog de um camarada, ele tá começando agora, mas mandando muito bem: http://www.dezoitobrumario.zip.net fala sobre política e economia, tão comentando a situação atual de um jeito muito esclarecido, to gostando muito. outra: sobre sp, ainda acho o melhor som "venha até são paulo" de um dos discos bicho de sete cabecas (acho que é no 1) do itamar assumpção. nos falamos, abs
André
htto://www.transito.zip.net
 
salve Thiago, uma nota rapidinha:
no sábado eu vinha pela Clélia, tudo parado, carro do resgate e gente lavando a pista com água e sabão.
Perguntei o que era, me disseram: um Uno atropelou um senhor de idade.
Um Uno. O motorista estava lá dentro por acaso...
 
Galera do Pedal,

O texto é muito bom mesmo. Eu penso exatamente isso também. O que temos que fazer a tirar nossa revolta da net e colocá-la na rua. Temos a bicicletada, mas poucos são os que participam, eu mesmo faz um tempão que não vou por estar trabalhando neste horário... Precisamos mobilizar a comunidade ciclística, mas a mesma é muito desunida. Um exemplo disso é que temos diversos grupos de ciclistas que pedalam diariamente em São Paulo, mas esses grupos nunca participam de uma manifestação como a Bicicletada.
Alguém tem alguma idéia do que devemos fazer para aumentar o número de cicloativista?

um abraço
Daniel
http://caosurbano.nafoto.net/
 
Fiquei imaginando a cena: o W. Bonner dando a notícia do recorde do preço do barril de petróleo com cara de assombrado e logo depois um sorriso sutil: "Pra que se preocupar, vá de bicicleta."
É, isto vai ficar só na imaginação...
 
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